Inovação em tempos de transição
Faviane Teixeira e Paula Penko
As eleições estão chegando. Muito antes do início formal do período eleitoral, as negociações para definir os candidatos aos cargos de prefeitas e prefeitos dos 5.568 municípios de todo o Brasil ocorrem a todo o vapor, mesmo a 1 ano e 6 meses da ida de eleitores às urnas. A antecipação do calendário eleitoral é um fenômeno comum: todos os anos nos deparamos com negociações partidárias, articulações entre nomes e legendas, pesquisas de intenção de voto cada vez mais antecipadas e outras movimentações. Todavia, há uma novidade no horizonte. Em março de 2023, uma rede de lideranças de governos municipais do Brasil se uniram para avançar no debate sobre o desafio de promover a continuidade de políticas públicas em contextos de transição política. É um movimento ainda incipiente, mas relevante, no qual lideranças políticas e especialistas compartilharam experiências e percepções sobre obstáculos e soluções para promover a perenidade de iniciativas inovadoras no cenário de mudanças políticas.
A despeito da retomada da democracia no Brasil há quase 40 anos, o país ainda conta com políticas de transição de governos pouco estruturadas, especialmente em estados e municípios. Por consequência, governos enfrentam com frequência o desafio de organizar a passagem de poder e início de gestões. Não raro, novos mandatários se veem diante da tentação de promover mudanças radicais ou assumir discursos que associam renovação com ruptura completa dos avanços de seus antecessores. Em outros casos, buscam ajustar inovações efetivas ou adotam uma bem-vinda abordagem de revisão incremental de boas políticas já em curso. Felizmente, o espírito de compartilhamento de boas práticas tem crescido.
Uma inspiração recente se deu num encontro promovido pelo Vetor Brasil, o Congresso de Governos por uma Gestão Estratégica de Lideranças, realizado no Insper em São Paulo, com a presença de representantes de governos estaduais e municipais de diferentes regiões do país. Nessa oportunidade, foi possível discutir os desafios de preparar municípios para transições de governo num contexto de incertezas (por razões diversas, como mudanças tecnológicas, cenários econômicos pouco favoráveis, o aumento da desconfiança da população em relação à atuação de governos e políticos), no qual inovar se torna ainda mais difícil. Sabemos que um ambiente fértil para inovação é aquele com abertura ao erro, em que é possível tentar, falhar e tentar novamente. Quem quer inovar precisa estar disposto a não ter todas as respostas, mas um compromisso inegociável com buscar melhores resultados. No entanto, essa incerteza inerente ao processo da inovação muitas vezes não é bem recebida na esfera da administração pública, frequentemente referenciada como sinônimo de segurança e estabilidade.
Mais do que nunca, é necessário que governos inspirem confiança na sociedade e, ao mesmo tempo, estejam abertos a inovar e errar. Nesse cenário, como é possível construir confiança, permitindo que as inovações e avanços alcançados nas políticas possam ser continuados, a despeito das mudanças que as transições de governo naturalmente acarretam? No Congresso, das trocas entre representantes dos municípios e especialistas em gestão pública, emergiram estratégias aqui elencadas em seis eixos: transparência, planejamento, engajamento, compartilhamento de sucessos, promoção do diálogo e gestão do conhecimento.
- A transparência na implementação das inovações é fundamental para gerar confiança e apoio da sociedade, consolidando as iniciativas inovadoras e garantindo legitimidade ao longo do tempo.
- O planejamento adequado é crucial para a manutenção da inovação no serviço público. Um planejamento bem estruturado e a antecipação de riscos garantem a efetividade e continuidade das políticas públicas, permitindo a adaptação às mudanças que as transições de governo possam trazer.
- O engajamento dos diversos atores envolvidos no processo de inovação, como servidores públicos, cidadãos e organizações da sociedade civil, é essencial para criar uma rede de apoio, com participação ativa, o que subsidia uma maior aderência e perenidade das políticas públicas inovadoras.
- O compartilhamento dos resultados alcançados pelas iniciativas inovadoras também é uma estratégia eficaz para a manutenção dessas políticas no longo prazo. Ao divulgar o êxito e reconhecer os respectivos idealizadores dessas políticas, fomenta-se maior confiança, senso de pertencimento e colaboração que são fatores muito relevantes para um ambiente de inovação.
- Estabelecimento de um diálogo aberto e respeitoso com todos, inclusive atores mais resistentes às inovações é outra medida indispensável. A comunicação eficiente dos benefícios das políticas públicas pode aumentar o apoio, auxiliando a continuidade das ações.
- A gestão do conhecimento sobre essas inovações é vital para sua implementação futura. Com as trocas de equipes que ocorrem em transições de governo, o registro das informações e a análise dos impactos das iniciativas implementadas são cruciais para assegurar a perenidade das políticas.
Dessa forma, para promover a continuidade das inovações no serviço público brasileiro no contexto de transições políticas, governos municipais podem se inspirar nessas ideias para desenvolver suas próprias estratégias de sustentabilidade das políticas. E, assim, mesmo diante dos obstáculos inerentes às mudanças de governo, consolidarmos que, em um ambiente democrático, transições devem representar aprimoramento e ajustes nas políticas, de maneira articulada e transparente.